Da auto-imagem ao auto-encontro
- Lulie Amirah
- 5 de jan. de 2019
- 3 min de leitura
Atualizado: 17 de fev. de 2019
A nudez, um caminho de auto-libertação.
Em 2013, quando ingressei na universidade de Artes Visuais, me dei conta de como o corpo e a nudez eram sexualizados por mim. Até então pouquíssimas vezes em minha vida eu havia tido a experiência de presenciar a nudez (minha e do outro) sem qualquer conotação sexual. Nas raras vezes em que estivera nua ou presenciara a nudez de alguém fora com amigas numa eventual troca de roupa, muitas vezes meio sem graça ou desajeitada.
Primeiramente, um pouco antes do ingresso à faculdade, me dei conta de como me percebia frente a nudez do outro, em experiências no teatro e em eventos de desenho em modelo vivo.
Meus olhos ficavam atentos as formas e aos movimentos e de alguma forma, mesmo na intenção da naturalidade, internamente eu ainda associava a manifestação corporal com a beleza e a sensualidade.
Não me lembro de me sentir incomodada ou atraída, mas me lembro de julgar espontaneamente formas e gestos como mais ou menos bonitos e sensuais.
A nudez começou a me instigar.
Em algum momento comecei a ter interesse pelo corpo a partir de um olhar mais cru. Talvez por influência do cinema que neste ano foi um alicerce para minha construção filosófica e visual.
Comecei a perceber na liberdade corporal das pessoas um certo desconforto, e me dei conta de que o que me incomodava não era a nudez do outro, mas sim minha incapacidade de me expressar e me colocar nua, com neutralidade e naturalidade, frente aos olhares.
Na adolescência, havia tido duas experiências interessantes com a fotografia e a exposição corporal envolvendo nudez, que de alguma forma tiveram suas potências, mas que ainda estiveram muito atreladas à sensualidade e sexualidade, e que reverberaram no meu círculo familiar e de amigos em forma de concelhos restritivos, que de alguma forma apenas reforçaram a sexualização aliado à ideia de inadequação.
Paralelo a isto, comecei a perceber como me incomodava a ideia de estar nua, não pela nudez em si, que de fato sempre me instigou, mas por tudo o que eu imaginava que minha nudez poderia gerar nas pessoas, e talvez retornar à mim. Via meu corpo sendo sexualizado, desejado ou negado, me imaginava sendo invadida pelos olhares, falas, toques... Imaginava críticas fortíssimas e me via completamente refém das opiniões alheias. Na verdade me sentia assim a maior parte do tempo, em qualquer situação de mínima exposição; me sentia constantemente observada e julgada, suprimida não pelas palavras que me chegavam ao meu respeito, mas sim, pelas palavras projetadas à partir de mim mesma, figurada na ideia de ser julgada pelo outro.
Afinal, foram anos de condicionamento cultural e social, anos de tentativas, na maior parte das vezes frustradas, de me encaixar; pertencer e agradar, eu nem sei exatamente à quem.
Durante praticamente toda a minha vida, até então, me retive e detive em imagens estigmatizadas de mim, de tudo o que eu deveria ser e simplesmente não era, de tudo o que seria mais adequado fazer e que eu não fazia, nas ideias de certo e errado, melhor e pior, bonito e feio, bom e ruim. Eu simplesmente me sentia como uma marionete, tentando parecer alguém, que percebo claramente agora, que definitivamente não era eu.
Até que um dia, fui convidada por um, na época, casal de fotógrafos para uma experiência de fotoarte, eu aceitei sem pensar e senti fortemente que era a oportunidade perfeita para me colocar conscientemente na situação de nu artístico. Me instigava a oportunidade de me perceber nesse lugar e de sentir como minha nudez nesse estado neutro, sendo registrada pelas lentes, poderia reverberar emocionalmente em mim.
Lá fui eu.
Para encarar o desafio de estar de corpo nu, me cobri de maquiagem.
Pintei no rosto uma máscara.
No corpo purpurina.
Na frente das câmeras o improviso.
Sob o olhar de Kleber Valério, e a direção de Jordane Marques, me permiti fluir.
Começamos explorando formas, e espontaneamente, foi se constituindo um processo vivencial, elementos diversos foram sendo implementados às imagens, e de maneira muito orgânica fomos experimentando juntos.
Saí de lá um tanto afetada pelo processo, interessada nas imagens, mas sem grandes expectativas.
Quando as recebi, vieram na sequência em que foram registradas, um tanto misturadas, mas imediatamente percebi uma linha de composição. Identifiquei ali, nada menos do que a manifestação do próprio campo em que eu estava contida. Nas imagens, o meu processo pessoal foi nitidamente capturado. E elas não se restringiram ao momento e a consciência presente. Elas me mostraram, com clareza, para onde eu estava indo.


















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